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Harry Potter e a Criança Amaldiçoada na Broadway

Com novos personagens, adaptação teatral de Harry Potter explora relações familiares e a busca pela identidade

Por Humberto Maruchel
2 ago 2023, 11h01

Além da magia e do encanto, a série de livros, e posteriormente filmes, de Harry Potter expressou habilidosamente que alguns princípios são primordiais para uma sociedade harmônica, mesmo quando ela se divide entre bruxos e trouxas (aqueles que não possuem poderes mágicos). Dentre eles, a tolerância e o respeito às diferenças estão no topo da lista.

Em 2016, J.K. Rowling, John Tiffany e Jack Thorne publicaram Harry Potter e a Criança Amaldiçoada, uma sequência dos livros que transportava os leitores para uma realidade 19 anos após o fim do último capítulo da história original. Ao invés da tradicional prosa, transformaram a narrativa em uma peça teatral. Nela, buscaram manter um atributo das obras originais: o desafio de compreender e aceitar o outro – algo que, convenhamos, Rowling tem tido dificuldades em fazer. Dessa vez, com uma mudança de contexto, o contratempo se impôs na relação de pais e filhos. Afinal, os bruxinhos cresceram e constituíram suas próprias famílias. Harry Potter casou com Ginny Weasley e juntos tiveram um filho, Albus Severus Potter. Sem muitas surpresas, a brilhante Hermione, casada com Rony Weasley, se tornou Ministra da Magia. E Rony, bom, virou marido de Hermione.

Harry Potter e a Criança Amaldiçoada
(Matthew Murphy/divulgação)

A trama acompanha os jovens ingressando em Hogwarts, repetindo o mesmo deslumbramento de seus pais anos antes e, claro, sofrendo as dores da adolescência ao não se sentirem vistos e entendidos pelos pais. Um dos conflitos de Albus é ser constantemente associado à figura heroica, estelar, de seu pai. Ou melhor, estar condenado a viver à sombra dele. Rebelde, Albus se torna um anti-herói que busca se afastar da imagem de Harry. Nessa mudança de rota, ele conhece seu melhor amigo no trem a caminho de Hogwarts – igual ao seu pai, Rony, e Hermione. O outro jovem, Scorpius, é filho de ninguém menos que Draco Malfoy, arqui-inimigo de Harry durante a juventude. O rapaz, no entanto, é um jovem tímido, inseguro e, por que não dizer, queer – pelo menos na montagem teatral. A aproximação dos dois gera um maior conflito em suas famílias, especialmente para Harry, que agora se depara com um novo medo, de que o filho não seja parecido consigo. E de fato, não é. Ao chegar na escola e vestir o chapéu que decide em qual das casas os jovens irão, Albus e Scorpius são encaminhados para Sonserina, enquanto a prima de Albus, Rose Granger-Weasley, mantém o legado familiar ao ser selecionada para Grifinória.

Harry Potter e a Criança Amaldiçoada
(Matthew Murphy/divulgação)

O roteiro final da adaptação pertence a Jack Thorne e a direção é de John Tiffany. A história somente ganha ar de suspense quando Albus e Scorpius se apossam do Vira-Tempo, aquele famoso relógio capaz de transportar seu dono para um período histórico qualquer. Os jovens decidem voltar e tentar salvar Cedric Diggory, morto no Torneio Tribruxo por Pedro Pettigrew, sob ordens de Voldemort. Isso, obviamente, muda todo o curso da história, causando mais problemas do que acertos.

Harry Potter e a Criança Amaldiçoada
(Matthew Murphy/divulgação)

No mesmo ano da publicação, a peça estreou no Palace Theatre, em Londres, com ingressos esgotados meses antes. Ela trouxe uma exuberância aos palcos que dá inveja a qualquer musical da Broadway. Não foi coincidência que, após dois anos, a adaptação chegou ao Lyric Theatre, em Nova York, causando ainda mais impacto na audiência e na crítica. Em 2018, a adaptação venceu o Tony Awards de melhor peça teatral. Foi também a peça mais cara já montada na Broadway (excluindo os musicais), com o investimento de $68 milhões de dólares. Desse montante, $33 milhões foram usados para reformar o teatro e atender às demandas do espetáculo, que estavam longe de serem poucas. Inicialmente, a produção tinha uma duração de cinco horas, dividida em duas partes, mas após a pandemia e o esvaziamento dos teatros, o espetáculo ganhou uma versão reduzida para ser apresentada em um único dia.

Harry Potter e a Criança Amaldiçoada
(Matthew Murphy/divulgação)

Ver Harry Potter na Broadway é o sonho materializado de qualquer fã da saga. Os esforços empreendidos, a tecnologia utilizada, iluminação e projeções simulam o universo mágico e conseguem, facilmente, alcançar uma qualidade próxima aos efeitos visuais dos filmes. Os personagens soltam fumaça das orelhas, desaparecem e reaparecem, flutuam, se transformam em outros seres e, obviamente, voam e jogam quadribol. Parece algo inédito no teatro. E contam com um elemento indiscutível: a crença do público.

Harry Potter e a Criança Amaldiçoada
(Matthew Murphy/divulgação)

Apesar de tudo isso, o mérito também está nas sutilezas da adaptação, que dão um novo sentido à história. Começando pelo fato de terem escolhido uma atriz negra para interpretar Hermione. Na época da estreia em Londres, Rowling chegou a afirmar que no livro nunca fez qualquer menção à cor de pele da personagem, deixando isso a cargo da imaginação do público. Logicamente, a escalação de Emma Watson para o papel nos filmes fixou um determinado perfil para os fãs. Outro aspecto é a sugestão de um romance que surge entre Albus e Scorpius, que se mostra nos detalhes da interpretação, nos toques e olhares tímidos, mas também em uma das falas de Albus quando ele afirma que Scorpius é a pessoa mais importante em sua vida.

Resta esperar que alguma produtora corajosa traga a montagem para os palcos brasileiros. A grande dúvida é como os fãs incondicionais de Harry Potter reagiriam a esses novos elementos da peça.

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Harry Potter e a Criança Amaldiçoada
(Matthew Murphy/divulgação)
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