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Fim de semana no parque

C6 Festival realiza primeira edição e eleva a barra dos eventos de música com curadoria diversificada e ótima organização

Por Artur Tavares
23 Maio 2023, 12h53
Caetano Veloso toca no C6 Festival
 (C6 Festival/divulgação)
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Sabe tudo aquilo de ruim que tem acontecido nos festivais de música brasileiros? Filas intermináveis, uma lotação descomunal, line-ups cheios de atrações duvidosas e um público mais preocupado em fazer selfies do que ouvir o som têm se tornado o (péssimo) padrão quando o assunto é sair de casa para ir a esse tipo de evento. Agrada muita gente, é verdade, mas havia uma lacuna que agora foi preenchida pelo C6 Festival, que preferiu privilegiar um público mais maduro em sua primeira edição, realizada no Rio de Janeiro, na Marina da Glória, e em São Paulo, no Parque do Ibirapuera, no último final de semana.

Herdeiro espiritual dos finados Free Jazz Festival e Tim Festival, o C6 Festival trouxe ao Brasil grandes nomes do indie rock, da música eletrônica e do jazz, além de astros nacionais. Com ingressos vendidos separadamente para os diferentes palcos, a organização garantiu que quem estivesse na plateia realmente desejasse estar ali.

Kraftwerk
(C6 Festival/divulgação)

Assim, foi ótimo assistir ao quarteto alemão Kraftwerk ao lado de veteranos das raves, bem como ouvir o coro catártico do público acompanhando Caetano Veloso em todas suas canções, ou então sentar tranquilamente para acompanhar os melhores nomes da música experimental contemporânea, como DOMi & JD Beck e The Comet is Coming.

Se o line-up em si já era um carimbo de excelência, o C6 Festival foi além, transformando o Parque do Ibirapuera em um dos lugares mais deliciosos para se assistir a shows de música aqui na cidade (nós não estivemos na edição carioca, infelizmente). O fácil acesso ao local tornou-se ainda mais confortável porque os horários dos palcos não eram concomitantes, garantindo que o entra e sai não fosse transformado em uma fila de abatedouro, como geralmente acontece quando precisamos sair de lugares como o Autódromo de Interlagos, por exemplo. Ao ar livre, o palco principal do lado de fora do Auditório estava aconchegante, o Pavilhão da Bienal ferveu com DJs brasileiros, e a Tenda estava com uma qualidade de som impecável.

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Havia também uma oferta maravilhosa de restaurantes, que levaram ao público desde bons hambúrgueres e pizzas, até kebabs, massas, pratos gregos, pipoca, drinks e muito mais. As praças de alimentação espalhadas pelos ambientes também garantiram conforto para quem queria comer com tranquilidade e sem pressa.

Juan Atkins
(C6 Festival/divulgação)

Em termos musicais, posso dizer que tudo que assistimos foi, no mínimo, excelente. Aqui, me reservo ao direito de não fazer um juízo geral sobre todas as atrações porque não estive em todos os shows, mas que ótimo poder ver um dos pais do techno de Detroit, o grande Juan Atkins, garantir um entardecer delicioso no sábado, logo antes do Kraftwerk subir ao palco.

 

Pela terceira vez no Brasil, e com um consenso geral do público de que esta foi a melhor das três apresentações, os alemães liderados por Ralf Hütter passearam por seus mais de 50 anos de carreira derretendo as mentes de todos nós. Temas como inteligência artificial, robotização do mercado de trabalho (e das próprias almas humanas) e o culto à imagem nunca pareceram tão atuais, provando que o reconhecimento da vanguarda pode demorar muito para acontecer.

Kraftwerk
Kraftwerk (C6/Festival/divulgação)

Com uma naturalidade que soava um tanto extraterrestre, Tim Bernardes encantou com seu violão em um repertório todo dedicado à Gal Costa, em uma homenagem que passou principalmente pelos seus grandes sucessos dos anos 1970, como “Vapor Barato” e “Índia”. Antes, Kiko Dinucci, Juçara Marçal e Marcelo Cabral convidaram um grande elenco – entre eles Arnaldo Antunes e Tulipa Ruiz – para cantar as músicas brasileiras mais emblemáticas de 1973, entre elas “Araçá Azul”, de Caetano Veloso.

Tim Bernardes
Tim Bernardes (C6 Festival/divulgação)

O baiano, que se apresentaria logo depois, deve ter ficado feliz com a homenagem. Subiu ao palco cheio de gás para apresentar a turnê de seu disco mais recente, “Meu Coco”, lançado em 2019. Aos 80 anos e com uma banda toda de jovens músicos, Caetano ainda é um dos roqueiros mais inovadores deste país.

Caetano Veloso
(C6 Festival/divulgação)

O domingo foi quente no palco Tenda, que contou com apresentações do grupo Black Country, New Road, a cantora mística Weyes Blood, que jogou flores para a plateia durante seu show, e a banda The War on Drugs – cujo vocalista Adam Granduciel me levou direto à infância com um tom de voz que lembra muito Bryan Adams, um cara que meus tios amavam ouvir nos anos 1990! Brincadeiras à parte, o grupo norte-americano é, provavelmente, o maior expoente do rock ‘n roll atualmente, com uma apresentação potente e cativante, sem espaços para baladas lentas ou conversas no palco.

Black Country, New Road
Black Country, New Road (C6 Festival/divulgação)

No Auditório (obrigado Oscar Niemeyer pela perfeição <3), a francesa DOMi e o americano JD Beck fizeram uma apresentação virtuosa. Ela, nos teclados e sintetizadores, e ele na bateria, tocaram música como se uma big band estivesse no palco. Adolescentes prodígio que já compuseram para nomes como Herbie Hancock, Thundercat e Bruno Mars, a dupla merece atenção. Antes de pousarem em São Paulo, eles haviam passado por Dubai e Tokyo com este mesmo show. Quando veremos por aqui de novo é difícil dizer, já que antes do C6 havia pouquíssimo espaço para esse tipo de apresentação aqui na cidade.

War on Drugs
War on Drugs (C6 Festival/divulgação)

E, para encerrar com chave de ouro, o saxofonista britânico Shabaka Hutchings aterrissou por aqui com a mais experimental de suas bandas, o trio de post-rock The Comet is Coming, que de fato passou como um cometa e atingiu em cheio o pouquíssimo público que ainda resistia além da meia-noite de domingo para segunda. Se era para ficarmos sentados assistindo, deu errado, porque logo na terceira música todas as pessoas correram para a primeira fileira do Auditório para bater cabeça e dançar. Querido C6, tragam Hutchings de novo no ano que vem com seus Sons of Kemet ou com o grupo Shabaka and the Ancestors. Entreguem o festival para o homem, que é, hoje, o maior sax em atividade neste hemisfério ocidental.

Público no show de Tulipa Ruiz
Público no show de Tulipa Ruiz (C6 Festival/divulgação)

Pra não dizer que não falei de pontos negativos, o valor dos ingressos estava um tanto proibitivo, embora esse não seja um problema apenas do C6, mas de todos os festivais que queiram enfrentar o combo dólar nas alturas e valor inflacionado das apresentações internacionais neste pós-pandemia.

Também é preciso que o festival dedique-se a pensar em maneiras de agradar as pessoas que estavam no Parque do Ibirapuera sem pagar o ingresso, já que muita gente ficou do lado de fora das grades ouvindo as atrações. E, na verdade, este também não é um problema apenas do C6, mas de todos que desejam fazer seus eventos em lugares como o Anhangabaú ou o Parque Villa-Lobos, porque, afinal de contas, eles são públicos (ainda que alguns estejam privatizados ou sob a administração privada).

C6 Festival, vocês estão de parabéns. O festival foi nota 10 e conquistou em cheio nossos corações. Até o ano que vem!

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