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Festa do Livro USP: 12 livros para incluir na biblioteca

De bell hooks a Frantz Fanon, montamos uma curadoria de títulos escritos por autores negros que estão com preços descono mínimo de 50% até 12 de novembro

Por Laís Franklin
Atualizado em 8 nov 2023, 21h55 - Publicado em 8 nov 2023, 16h51

A 25ª Festa do Livro da USP está entre nós! Em edição comemorativa, a tradicional feira aguardada por amantes da literatura acontece de 8 a 12 de novembro e a redação da Bravo! separou 12 obras escritas por autores e autoras negras de diferentes países para incluir na sua biblioteca. De romances como “A morte de Vivek Oji”, de Akwaeke Emezi, passando por ensaios e manifestos de ativistas fundamentais para o movimento negro da diáspora como Carlos Mariguella, bell hooks e Frantz Fanon, nossa curadoria contemplou diferentes gêneros da literatura, que durante a data estarão com desconto especial mínimo de 50% e merecem entrar na sua biblioteca particular. 

Em tempo: nos mesmos dias da Festa do Livro, várias editoras incluem a promoção extraordinária de maneira online ou em livrarias físicas fora da capital paulista para estender a oportunidade aos leitores que não estejam na cidade. É o caso da Boitempo, que elegeu mais de 30 livrarias parceiras na data, e da Todavia, que disponibilizará os títulos com desconto também pelo site da Livraria Martins Fontes.

Confira a seleção completa de livros e sinopses:

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(Editora Todaviia/divulgação)
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­“A morte de Vivek Oji”, de Akwaeke Emezi
Inúmeros estranhamentos nos tomam quando mergulhamos em “A morte de Vivek Oji”, de Akwaeke Emezi, o que não quer dizer que a obra será de difícil compreensão. Estranhamentos com os nomes próprios, muito distintos dos que usamos por aqui e que só com o avançar da leitura descobriremos se se referem a homens ou mulheres, como Osita, Kavita, Chika, Vivek, Nnemdi e outros tantos. Com os termos inusitados que aparecem por todo o romance, sobretudo nos diálogos, mas não apenas neles, como “abeg”, “nna mehn”, “nko” etc. Estranhamentos com questões culturais, indicativos da pouca intimidade que temos com a(s) história(s) da Nigéria, como no caso das Nigesposas. No entanto, a despeito desses estranhamentos, será difícil abandonar a leitura. Enredo fluido, conduzido a partir de idas e vindas temporais e múltiplas perspectivas, nele acompanharemos as vidas de personagens que orbitam ao redor de Vivek, cuja morte é anunciada já no título, mas que só com o avançar da trama entenderemos como ela se deu e o que significa. Narrativa de descobertas e reinvenções, atravessada por questões de gênero que ora são profundamente desconhecidas, ora bastante familiares, tudo magistralmente orquestrado numa obra de autoria não binária que, na prática, é uma excelente resposta a quem ainda hoje insiste em reduzir existências trans a uma história única. ­

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(Editora Todavia/divulgação)
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“Cartas a uma negra”, de Françoise Ega
A antilhana Françoise Ega trabalhava em casas de família em Marselha, na França. Um de seus pequenos prazeres era ler a revista Paris Match, na qual deparou com um texto sobre Carolina Maria de Jesus e seu Quarto de despejo. Identificou-se prontamente. E passou a escrever “cartas” ― jamais entregues ― à autora brasileira. Nelas, relatava seu cotidiano de trabalho e exploração na França, as dificuldades, a injustiça nas relações sociais, a posição subalterna (e muitas vezes humilhante) a que eram relegadas tantas mulheres como ela, de pele negra e originárias de uma colônia francesa no Caribe. Aos poucos, foi se conscientizando e passou a lutar por seus direitos. Quando morreu, em 1976, era um nome importante na sociedade civil francesa. Cartas a uma negra, publicado postumamente, é um dos documentos literários mais significativos e tocantes sobre a exploração feminina e o racismo no século XX. Concebido como um conjunto de cartas, datadas entre 1962 e 1964, o texto vai ganhando profundidade e variedade estilística à medida que a autora mergulha no processo de escrita ― a ponto de o livro poder ser lido como um romance. Entre seus personagens, além das babás, empregadas domésticas e faxineiras, estão também as autoritárias (e tacanhas) patroas e seus filhos mimados. A tensão principal se dá na relação entre patroas e empregadas: a atitude imperial de umas e a completa falta de direitos das outras. São histórias por vezes chocantes de trabalhadoras sem acesso a saúde, férias ou mesmo a uma moradia minimamente confortável. Tudo isso é relatado de forma pungente e expressiva, tendo como “leitora ideal” a escritora brasileira, que, ao longo de sua trajetória, teve experiências semelhantes. Pois ambas, Ega e Carolina, lutaram pelo mais básico: a dignidade na vida e na literatura.

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(Ubu/divulgação)
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“Chamamento ao povo brasileiro”, de Carlos Marighella
Reunião de ensaios, cartas, manifesto e poemas de Carlos Marighella, incluindo textos que só circularam clandestinamente, com nova edição após muitos anos fora de catálogo. Militante comunista desde a juventude, deputado federal constituinte e, depois de romper com o PCB, fundador do maior grupo armado de oposição à ditadura militar – a Ação Libertadora Nacional, Marighella já foi considerado o “inimigo número um” do regime. A ALN chegou a participar de assaltos a bancos, carros-fortes e trem-pagador, e do famoso sequestro do embaixador americano Charles Elbrick, ainda que seu líder não soubesse da operação. Seus métodos fizeram com que Marighella se tornasse uma das figuras mais controversas da história do Brasil. Wagner Moura filmou a biografia escrita por Mario Magalhães, Marighella, o guerrilheiro que incendiou o mundo. O filme estreou no Festival Internacional de Cinema de Berlim em fevereiro de 2019. O volume inclui o livro integral “Por que resisti à prisão” (1965); textos de análise política do país e a ruptura com o PCB, escritos sobre a luta armada, incluindo Frente a frente com a polícia e Cartas de Havana. Alguns dos poemas e sátiras de Marighella podem ser lidos ao longo do livro.

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(Cobogó/divulgação)
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“Homo modernus: Para uma ideia global de raça”, de Denise Ferreira da Silva
Como o arsenal do conhecimento científico e social justifica o assassinato de pessoas pretas? Homo modernus ― Para uma ideia global de raça (Editora Cobogó) apresenta uma análise contundente da força política do racial na sociedade contemporânea. Este livro, escrito originalmente em inglês e publicado em 2007 nos Estados Unidos, se tornou fundamental para a compreensão da teoria inovadora da pensadora negra-brasileira Denise Ferreira da Silva – escritora, artista e professora interdisciplinar de grande relevância internacional – sobre as questões éticas do presente global. Nas palavras de Saidiya Hartman, escritora e professora da Columbia University, “é um estudo brilhante sobre o papel essencial da raça na modernidade global” e “um dos grandes textos dos Estudos Negros [Black Studies]”. Remontando à história da filosofia moderna, de Descartes a Herder, e dialogando com mulheres pensadoras contemporâneas como bell hooks, Judith Butler e Kum-Kum Bhavnani, a autora desafia os modos usados para entender a subjugação racial e reformula a figura central dos relatos éticos – o conceito do homo modernus, isto é, a consciência global/histórica. Como define Jorge Vasconcellos, professor da UFF e teórico-ativista do Coletivo 28 de Maio, “a autora nos propõe ― com sua obra de pensamento e com suas práticas artísticas ― ferramentas teóricas e sensíveis que se transformam a um só tempo em armas de investigação acadêmica e usina conceitual libertária”. Ao confrontar radicalmente nossas formas de compreender a racialidade, Homo Modernus, com um texto poético e incisivo, é tanto uma poderosa investigação acadêmica quanto um experimento para pensar e viver o mundo hoje.

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(Editora Nós/divulgação)
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“Planta oração”, de Calila das Mercês
Planta Oração, de Calila das Mercês, é livro-poema-conto que faz a junção da oralidade com a ancestralidade. São as aberturas dos contos, criadas a partir de um som ritmado, que nos lembram de mantras ou ladainhas e vão se apresentando em repetições, que acolhem o ouvido e nos preparam para um novo conto-oração. Cada texto forma um galho desse tronco-texto carregado de memórias-palavras da autora.

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pele-negra-mascaras-brancas
(Ubu/divulgação)
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“Pele negra, máscaras brancas”, de Frantz Fanon
Primeiro livro de Frantz Fanon, “Pele negra, máscaras brancas” é um dos textos mais influentes dos movimentos de luta antirracista desde sua publicação, em 1952. Logo de início, se apresenta como uma interpretação psicanalítica da questão negra, tendo como motivação explícita desalienar pessoas negras do complexo de inferioridade que a sociedade branca lhes incute desde a infância. Assim, descortina os mecanismos pelos quais a sociedade colonialista instaura, para além da disparidade econômica e social, a interiorização de uma inferioridade associada à cor da pele – o que o autor chama de “epidermização da inferioridade”. Não se compreende a questão negra fora da relação negro-branco. Com erudição, Fanon articula conceitos da filosofia, psicanálise, psiquiatria e antropologia, e autores como Hegel, Sartre, Lacan, Freud e Aimé Cesaire (referência literária, intelectual e política que perpassa toda a obra), numa notável linguagem poética, que nos conduz a uma reflexão sobre sua relação com o tema.  Um dos principais efeitos da leitura da obra – diz o professor e pesquisador Deivison Faustino no posfácio a esta edição – é fazer leitores e leitoras se descobrirem, seja em sua vulnerabilidade e desamparo, seja angustiados sob a consciência de seus pecados, ou ainda como demônios que impõem sofrimento e dominação a outros, mesmo que a princípio se vejam como anjos. Em um momento de ampliação da luta antirracista e conscientização e incorporação de brancas e brancos a essa luta, este livro continua sendo transformador, em busca de uma sociedade realmente livre e igualitária. A edição da Ubu conta com prefácio de Grada Kilomba. O livro traz ainda textos do intelectual e ativista Francis Jeanson e do historiador Paul Gilroy. Tradução de Sebastião Nascimento, com colaboração de Raquel Camargo.

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(Cobogó/divulgação)
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“Performances do tempo espiralar”, poéticas do corpo-tela, de Leda Maria Martins
Em Performances do tempo espiralar, poéticas do corpo-tela, a ensaísta, poeta, dramaturga e professora Leda Maria Martins explora as inter-relações entre corpo, tempo, performance, memória e produção de saberes, principalmente os que se instituem por via das corporeidades. Em novas dicções, a autora consolida o conceito de tempo espiralar, que surge pela observação de práticas comunitárias e no fundamento cognitivo de vários grupos étnicos africanos – que nas Américas recriaram seus laços de pertencimento telúrico. Isso acontece, sobretudo, nas culturas fincadas na oralidade e na cosmovisão ancestral cujas práticas performativas celebram o corpo como lócus da memória. Essa percepção cósmica e filosófica entrelaça, no mesmo circuito de significância, a ancestralidade e a morte. O passado habita o presente e o futuro, o que faz com que os eventos, desprovidos de uma cronologia linear, estejam em processo de perene transformação e, concomitantemente, correlacionados. No livro, a autora propõe que a experiência e a compreensão filosófica do tempo podem ser expressas por uma inscrição não necessariamente discursiva e mesmo não narrativa, mas não por isso menos significativa e eficaz: a linguagem constituída pelo corpo em performance, das liturgias do Reinado ao teatro e às artes cênicas. Dialogando com outros pensadores como Alfredo Bosi e João Guimarães Rosa, Leda Maria Martins desconstrói a dicotomia entre oralidade e escrita enfatizada pelo Ocidente, que prioriza a linguagem discursiva como modo exclusivo de postulação de conhecimento. Performances do tempo espiralar, poéticas do corpo-tela apresenta uma temporalidade que se curva para frente e para trás, ao redor e para cima, em movimentos espirais que retêm o passado como presente (ou presentifica o passado) para moldar o futuro. Assim, a autora descoloniza o pensamento Ocidental e requalifica a África como continente pensante. A palavra também se inscreve no corpo, na memória, no tempo. “[…] A ancestralidade é clivada por um tempo curvo, recorrente, anelado; um tempo espiralar, que retorna, restabelece e também transforma, e que em tudo incide. Um tempo ontologicamente experimentado como movimentos contíguos e simultâneos de retroação, prospecção e reversibilidades, dilatação, expansão e contenção, contração e descontração, sincronia de instâncias compostas de presente, passado e futuro.”

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(Editora Fósforo/divulgação)
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“Quando me descobri negra”, de Bianca Santana
Usar um turbante com cores vibrantes pela primeira vez, sentir o vento balançar os cabelos sem o peso dos produtos químicos, reconhecer nos filhos os traços da ancestralidade. Esses são alguns dos temas que Bianca Santana expurga em busca do encontro com sua negritude nesta nova edição, revista e ampliada, de Quando me descobri negra. A autora traz à tona sua trajetória de autorreconhecimento e aceitação. Mesclando trechos autobiográficos à história recente do país com pinceladas de ficção, Santana narra sua passagem por um processo complexo de letramento racial, aceitação do corpo e reconhecimento familiar. Tudo isso enquanto se desvencilha do racismo brasileiro presente no bairro de classe média, na cliente branca do restaurante que acha que negros são serviçais, na ação violenta da polícia, no bullying sofrido na escola e na desigualdade salarial no trabalho. Com a altissonante frase “Tenho trinta anos, mas sou negra há dez”, a autora inicia essa jornada que há tempos vem ajudando pessoas negras a se aceitarem e pessoas brancas a compreenderem o papel que podem desempenhar na luta antirracista. Com textos curtos e um olhar acurado, Quando me descobri negra é um verdadeiro marco no processo de diversos avanços que o movimento negro vem conquistando. De Neusa Santos Souza a Chimamanda Ngozi Adichie, Bianca Santana evoca todas as formas de conhecimento para avançar nessa luta diária contra o preconceito. Valendo-se da ternura do cheiro do arroz-doce com cravo e canela servido numa roda de saberes de mulheres negras ao luto pela perda prematura e traumática do pai, “Quando me descobri negra” é um clássico contemporâneo que já faz parte da formação do que sonhamos para um novo projeto de nação.

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(Editora perspectiva/divulgação)
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“Teoria feminista: da margem ao centro”, de bell hooks
Crítica e propositiva, bell hooks defende uma revolução feminista que transcenda reformas, com enfrentamento das ideologias do sexismo, do racismo e do capitalismo, entre outras. Defender o feminismo é não admitir qualquer tipo de opressão sobre (ou entre) mulheres. É considerar homens como potenciais opressores, mas também potenciais camaradas na luta. Em linguagem acessível, a autora faz críticas aos problemas ainda atuais do feminismo, que costuma ser branco, de classe média, acadêmico, heteronormativo e desigual. Em contrapartida, propõe a revolução feminista idealizada por mulheres negras. Diferentes mulheres, provenientes do centro e das margens, em solidariedade política, com a parceria de homens, tendo como foco a ressignificação das relações. A revolução feminista negra é uma luta por libertação, de todxs. Obra basilar do feminismo negro que, ao abordar os processos de opressão das mulheres negras, das mulheres situadas na margem, dá sentido à centralidade da luta feminista, ao enfrentamento do racismo patriarcal heteronormativo. Feminismo é um compromisso ético, político, teórico e prático com a transformação da sociedade a partir de uma perspectiva antirracista, antissexista, antilesbofóbica, anti-homofóbica, antitransfóbica, anticapitalista. “Teoria Feminista: Da Margem ao Centro” é, assim, uma convocação para a construção de uma nova ordem social.

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(Ubu/divulgação)
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“Um feminismo decolonial”, de Françoise Vergès
Este livro é um convite para se reconectar com o poder utópico do feminismo, com um imaginário capaz de provocar uma transformação drástica da sociedade. Francesa criada na ilha da Reunião, Françoise Vergès lança mão de uma terminologia nova para descortinar a realidade das mulheres “racializadas”, empregadas domésticas e faxineiras provenientes dos países do “Sul global”, que limpam o mundo. Ela reivindica “um feminismo decolonial”, aberto a questionamentos, análises e mudanças, mas radicalmente antirracista, anticapitalista e anti-imperialista. À diferença do termo “descolonização”, que diz respeito aos processos históricos que sucederam o fim da relação colonial oficial, “decolonial”, um neologismo já consolidado no debate francês, se refere à necessidade de denunciar e tornar visível o que permanece vigente, porém negado, da estrutura colonial nas sociedades pós-coloniais. Assim, um feminismo decolonial, antipatriarcal e anticapitalista, é aquele que leva em conta as consequências da colonização nas relações atuais para repensar o feminismo por dentro, obrigando-o a entrecruzar além de questões de gênero e raça, já bem mapeadas pelo feminismo negro, a variável da desigualdade social ligada ao capitalismo. A descrição crua e verdadeira de fatos cotidianos atinge em cheio o que Vergès chama de feminismo “civilizatório”, aquele defendido por mulheres “brancas e burguesas” europeias que tipicamente reivindicaram desde os anos 1960 direitos iguais em relação aos homens de sua própria classe, as classes média e alta privilegiada. Para a autora, o feminismo deve ser necessariamente multidimensional, incluindo em sua reflexão raça, sexualidade e classe. A leitura deste texto é uma pancada de lucidez que faz perceptíveis as evidências que nos negamos a ver da opressão normalizada que sofrem milhões de mulheres em todo o mundo.

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(Editora Todavia/divulgação)
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“Vila Sapo”, de José Falero
Eis aqui sete histórias escritas com força ímpar e altíssima voltagem literária. Publicado originalmente em 2019, Vila Sapo imediatamente chamou a atenção para José Falero, até então um jovem e desconhecido autor vindo das quebradas de Porto Alegre. Desde aquele momento, o livro apresentou a críticos e leitores um escritor já dotado de uma variada gama de recursos, modulando em cada história a voz das ruas com um refinado registro literário.

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(Editora Fósforo/divulgação)

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“Vidas rebeldes, belos experimentos”, de Saidiya Hartman
Neste estudo magistral e inovador sobre a população dos cinturões negros da Filadéfia e de Nova York, Saidiya Hartman se vale do método da fabulação crítica para dar voz às personagens por ela estudadas, em sua maioria jovens negras “em franca rebelião”. Ao combinar um estilo literário a uma extensa pesquisa de arquivos, documentos e imagens, Hartman descreve o mundo através dos olhos dessas mulheres e se propõe a “recriar a imaginação radical” delas, oferecendo uma nova mirada sobre esse grupo social. Na pesquisa rigorosa e sensível de Hartman, a população negra deixa de ser encarada como objeto condicionado por habitações insalubres, trabalhos degradantes, prisões arbitrárias e toda sorte de violência, e passa a ser vista como um sujeito capaz de modificar o tecido social e cultural ao oferecer novas respostas e formas de resistência. Se hoje conhecemos o Renascimento do Harlem é porque essas jovens procuraram fazer valer a liberdade recém- -conquistada em uma verdadeira revolução da vida íntima, ainda que estivessem diante da falácia do fim da escravidão. Billie Holiday, Paul Laurence Dunbar e W.E.B. Du Bois são algumas das personagens que convivem lado a lado com essas mulheres desordeiras num teatro exuberante em que as aspirações mais radicais se mesclam ao mero desejo de perseguir o próprio prazer. Ao trazê-las para o primeiro plano, Hartman tece uma ponte entre o individual e o coletivo, reconstituindo a complexidade de personagens a quem a história negou qualquer traço humano, ao mesmo tempo em que faz do coro o protagonista do espetáculo.

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