Armadilhas do capitalismo, encarceramento em massa, bastidores do processo criativo, legado ancestral dos povos originários, racismo estrutural, feminismo decolonial, tempo espiralar e o poder da literatura como arma transformadora foram alguns dos temas que permearam as discussões de autores nesta Flip, que homenageou a escritora Pagu e o artista Augusto de Campos.
Bravo! é parceira de mídia da Festa Literária e publicou a newsletter oficial com um resumo das melhores mesas e rodas de conversa de cada dia. De Caetano Veloso falando sobre a importância do legado de Pagu até Glicéria Tupinambá e Gustavo Caboco falando sobre as lutas dos povos indígenas, elegemos quinze falas que marcaram a edição de 2023 da Flip, seja na programação principal ou na paralela durante a Flip+, do Programa Educativo e da Flipei.
“Sonhava em escrever numa casa limpíssima, com uma orquídea lilás ao lado, com uma taça com água e um silêncio absoluto para eu poder criar. Sentei e esperei por isso, até ver que não ia rolar. Enquanto eu sonhava com esse cenário, consegui colocar o livro no mundo com uma criança pequena, desfraldando, no meio da pandemia, com a máquina de lavar fazendo barulho. Nós esperamos o momento perfeito, mas ele não existe” – Alice Miranda
“Sou uma autora do silêncio e do espaço. Muitas vezes eu abandono a palavra para poder conseguir escrever. Há muitas lacunas, falhas, coisas que eu não alcanço, e eu assumo isso durante meus livros. O Saramago é o oposto, sinto que ele dá conta de tudo” – Aline Bei
“Ando sumido, mas estou aparecido por causa da Pagu. Ela é um caso interessante na cultura brasileira. Apesar da grande quantidade de livros que escreveram sobre ela, acho que até hoje Pagu ainda não foi bem compreendida” – Caetano Veloso
“O encarceramento em massa existe porque nossa oralidade não vale tanto quanto a palavra escrita policial” – Carla Akotirene
“Nós, pessoas negras, somos constituídas de forças poderosas, mas não somos conhecidas apenas por essa força. Foi importante para mim, ao escrever ‘No vestígio’, pensar nas formas que a negritude é moldada nos navios negreiros. As pessoas negras são feitas num processo violento de captura, transporte e escravização, mas essas não são as únicas formas pelas quais nos reconhecemos” – Christina Sharpe
“A literatura me salvou desde menina. É difícil suportar a pobreza e a vulnerabilidade. A escrita sempre foi a minha válvula de escape. Não sou eu que faço a literatura, é a literatura é que me faz” – Conceição Evaristo
“A democracia é um regime de explosão, de paixões, de projetos, de ideais. É nela que realizamos nossa igualdade e nossa liberdade, mas ela tem falhado em cumprir suas promessas. Precisamos aperfeiçoá-la, pois ela tem sido insuficiente. No caso do Brasil, ela não resolveu a violência policial ou a desigualdade. Se não resolveu esses problemas, a quem, de fato, ela está atendendo?” – Conrado Hübner Mendes
“O exercício da observação do cotidiano com calma e afetividade resulta em textos, músicas e pinturas. É mais fácil nos identificarmos com o ordinário do que com o extraordinário” – Fernanda Takai
“Nosso tempo é coletivo. Se eu fosse entender a filosofia do outro, já estaria internada, teria diagnóstico e estaria tomando diazepam e tudo mais. Como eu sei do meu território, temos uma vivência na qual a gente entende que a floresta fala, que os pássaros falam, e aí a gente entende tudo à nossa volta” – Glicéria Tupinambá
“Há uma diferença cultural grande entre apagamento e esquecimento, porque o apagamento é algo contra o qual lutamos de maneira muito frontal, diariamente, algo sistemático e violento, sobretudo em se tratando do modo como as populações indígenas são invisibilizadas. Penso a arte e a literatura indígena a partir da ideia do esquecimento como algo capaz de criar valor, de dar sentido em lugares como o aqui e o agora” – Gustavo Caboco
“Por muitos anos nos envergonhamos da história brasileira, e ela ainda nos envergonha, mas a gente consegue tirar dessa vergonha algo ainda mais poderoso, que é se reconhecer nessa história para projetar um presente e um futuro diferentes” – Itamar Vieira Junior
“A nossa poética não é linear, ela é espiralar. E é antes, é depois, é agora, tudo ao mesmo tempo. A luta é permanente. Assim como o povo preto não vai voltar para a senzala, a gente não vai voltar para a cozinha. A força do patriarcado é imensa, mas a gente aprendeu de alguma forma a dizer não” – Kellen Dias
“Se a poesia pode algo frente à devastação do mundo, que seja tentar elaborar essa violência e fazer frente a ela” – Luiza Romão
“Nenhuma droga é perigosa o suficiente para permitir que a polícia suba o morro e mate uma criança inocente de oito anos, como fizeram com Ágatha Felix” – Sidarta Ribeiro
“O capitalismo nos ensina a ter medo uns dos outros e a ser individualista. Não podemos lutar sem mudar a lógica que governa a sociedade e criar uma concepção diferente do corpo, não como algo biológico, não como algo fragmentado, mas sim como sujeitos de corpos abertos e que se conectam” – Silvia Federici
Esse texto é uma parceria entre a revista Bravo! e Flip