Pioneira da poesia erótica no Brasil, a obra de Olga Savary ganha coletânea que cobre toda a sua carreira
Por Carlos Castelo
A poeta, escritora, jornalista e tradutora Olga Savary foi a pioneira da poesia erótica no Brasil. Tornou-se a maior tradutora de Pablo Neruda no país, além de ter traduzido Octavio Paz, Carlos Fuentes, Julio Cortázar, Mario Vargas Llosa e Laura Esquivel. Também verteu para o português três grandes mestres do haicai: Bashô, Buson e Issa.
Participou ainda da fundação do Pasquim e se manteve no jornal de 1969 até 1982. Fazia um trabalho de colaboradora, entrevistadora e tradutora. Sua As Dicas continha opiniões sobre música, livros e artes em geral. Foi Olga quem publicou, pela primeira vez, uma resenha sobre Elis Regina, que na época estava dando seus primeiros passos na carreira.
Olga sonhava ser bailarina, mas acabou abraçando a poesia. Aos 19 anos foi ao antigo Ministério da Educação e Cultura, no Rio, onde o poeta Carlos Drummond de Andrade trabalhava. Levou um livro embaixo do braço com 100 poemas e Drummond teve paciência de ler todos. O bardo mineiro estava com 53 anos e, mais tarde, confessou ter ficado balançado pela autora. Ficaram amigos e começaram a trocar poemas. Ele a chamava de Olenka, diminutivo de Olga, em russo, e fez um poema para ela, em 1955, que nunca foi publicado em livro por ele:
MIRAGEM
Chegou, impressentida e silenciosa,
Com uma saudade eslava nos cabelos
E um ritmo de crepúsculo ou de rosa.
Os olhos eram suaves e eis que ao vê-los,
Outra paisagem, fluída, na distância,
Sugeria doçuras e desvelos.
No coração, agora já sem ânsia,
paira a serenidade comovida
que lembra os puros cânticos da infância.
Logo depois se foi, mas refletida
nesse espelho interior, onde as imagens
se libertam do tempo, além da vida,
Olenka permanece, entre miragens.
Agora, para ser novamente celebrada, a Todavia lançou Coração Subterrâneo — Poemas Escolhidos. A antologia cobre toda a carreira da autora. E apresenta suas múltiplas facetas, reunindo 100 poemas que oferecem uma nova perspectiva para uma obra importante na história recente da nossa literatura, juntamente com a de Hilda Hilst e Leila Míccolis.
“Coração subterrâneo constrói um percurso fluente e de longo alcance que permite perceber as dobras dessa voz poética. Inicia em 1947 com o poema Mito, em que a voz poética se identifica francamente com a posição de idólatra, e termina com o poema Amor?, que trata de um ‘vicioso campo de batalha’ onde com mentira e fingimento os amantes se mordem e se convocam, feito animais no cio, entre perguntas que giram sem respostas”, escreve a escritora Laura Erber no posfácio da obra.
É este o mencionado poema que fecha o livro:
AMOR?
O que será:
este labirinto de perguntas
e resposta alguma,
este insistente rugir
de pássaros, este abrir
as jaulas, soltar o bicho
no velo que há em nós,
delicado feroz morder
(deixa sangrar)
o outro bicho (deixa, deixa)
e toda esta parafernália
a parecer truque enquanto
obsediante você mente
embora acreditando nas mentiras
e eu use os piores estratagemas
para cobrir-me a retirada
desse vicioso campo de batalha?