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Inhotim questiona códigos e parâmetros dos museus

Por Bravo
Atualizado em 22 set 2022, 12h49 - Publicado em 28 ago 2016, 07h25
Jochen Volz, foto de Henk Nieman

Em meio à finalização da 32ª Bienal Internacional de São Paulo, no dia 16 de maio de 2016, o curador convidado da Mostra, Jochen Volz, nos recebeu na sua sala do prédio de Niemeyer para nos falar da sua visão e do seu trabalho em Inhotim desde 2004 quando chegou e, de onde saiu, temporariamente, para dedicar-se à Bienal que abre suas portas em setembro. Leia essa entrevista no contexto certo, dentro do especial sobre Inhotim.

Quais são as linhas da coleção?O ponto de partida da formação da coleção é o lugar: a ideia de onde Inhotim está, em qual contexto natural e cultural ele está inserido, qual tipo de vegetação abriga. É uma coleção que se cria fora dos centros urbanos, sempre sendo um destino — até para quem é de Brumadinho é uma pequena viagem, nunca é uma experiência en passant. Não dá para ir a Inhotim como a gente vai a um museu urbano, em que a gente entra, visita, depois pode ainda ir ao cabeleireiro, levar os filhos à escola. Nesse sentido a gente começou a pensar que tipo de obra de arte fazia sentido ser vista, vivida, experimentada aqui, e quais não faziam sentido. Foi uma discussão muito viva entre Bernardo (Paz), outros curadores e eu.

Que tipo de obra faz sentido e qual não faz sentido?
Não fazem sentido obras que se alimentam de um contexto urbano, que está inserido no nosso dia a dia. Inhotim é sempre uma experiência à parte: passear pela floresta, andar em volta do lago, subir o morro, sentir o cheiro da mata. Essas sensações, o sol, o calor, ter falta de ar, tudo faz parte da construção de uma experiência. A gente parte daí quando pensa que tipo de trabalho faz sentido ser realizado ou adquirido ou mostrado na coleção.

Como se deu a evolução da coleção ao longo desses dez anos?
Foram duas vertentes interessantes. No início, eram obras existentes, adaptadas para o lugar. A ideia era adquirir e trazer uma obra que, talvez, não tivesse outro lugar no Brasil para ganhar visibilidade. Sempre fomos muito conscientes de que Inhotim era e é o único lugar com um acervo de arte contemporânea permanente, aberto ao público no país. Isso tem um papel importantíssimo no caso do Tunga, Cildo (Meireles), Miguel Rio Branco, Doris Salcedo etc.

E depois?
Entre 2007 e 2010, foram finalizados alguns projetos que começaram em 2004 e 2005, que era de site specific, artistas convidados para desenvolver um trabalho especificamente para Inhotim: Mathew Barney ,Chris Burden, Doug Atken e vários outros. Foram projetos desenvolvidos para o local.

A partir daí aconteceu uma outra descoberta. Depois que montamos as Cosmococas do Hélio Oiticica e Neville de Almeida, ficou muito claro que a gente precisava de mais peso histórico, de diversificar mais o que a coleção representa para ancorar algumas experiências recentes da arte. Tornou-se importante colecionar algumas obras já mais antigas para criar uma massa crítica. Foi um momento muito importante. Começamos abrigando grandes instalações de artistas brasileiros e estrangeiros, depois desenvolvemos o site specific com brasileiros e estrangeiros e depois percebemos que isso já tinha criado um contexto tão forte que era importante ter mais peso histórico.

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Qual a importância das Cosmococas no contexto Inhotim?
A Cosmococas é um belo exemplo de que hoje se chama de arte de instalação, onde os espectadores se tornam ativo de fato, participam. É muito importante e forte na arte brasileira inteira, e Hélio Oiticica e Neville de Almeida fizeram uma grande contribuição para a história da arte. Para Inhotim, que vive dessa ideia da experiência, da interação, da imersão, é muito especial.

Qual a relação público e Instituição?
A gente começou com os programas públicos e educativos em 2005, 2006. Esses programas deram início à programação. O público normalmente fica bastante tempo em Inhotim, que tem um horário de permanência muito maior do que os horários dos museus urbanos. Isso permite que haja outras formas de interagir com o público, e a troca de ideias, troca de questões, é algo que Inhotim promove.

Como Inhotim se insere no contexto da arte contemporânea mundial?
Ele é um dos museus — se é que dá para usar essa palavra — que mais questionam todos os parâmetros e códigos de museu. Inhotim permite uma experimentação de outra forma, de outra ordem, e isso está sendo muito reconhecido internacionalmente. Também a coleção, que é de ponta, ganhou muita visibilidade lá fora. A nossa proposta de ser um museu fora dos parâmetros tem tido uma ressonância muito forte num momento em que todas as grandes instituições têm que se repensar. Hoje tem que se pensar um pouquinho no papel educativo, no papel dentro de uma sociedade e como articulador como plataforma para um cenário artístico, cultural. Qual o papel de um museu de arte contemporânea com tradições folclóricas ou regionais, o que significa o regional e o local, são algumas das questões com que todos os museus do mundo estão lidando. E Inhotim nasceu com essa vocação, então tem muito a contribuir nessa discussão.

Qual o significado de Inhotim ter nascido como uma coleção de caráter privado?
Isso, no meu entendimento, sempre foi um grande privilégio, porque permitiu que a coleção pudesse ser construída sem seguir critérios e regras de uma coleção de museus públicos, que sempre têm uma certa demanda de representatividade local ou histórica ou cronológica. Qualquer museu público que tivesse um Tunga abriria mão de ter um segundo, acharia que deveria ter outro artista, para ser mais democrático. Para nós, é diferente: ao invés de ter todo mundo um pouquinho, preferimos a profundidade. Se o Tunga é um dos maiores artistas da nossa época e do nosso país, é interessante ter uma experiência profunda no seu pensamento, nas suas experimentações, nos materiais, tecnologias e estratégias que ele inventou durante trinta ou quarenta anos… Ao mesmo tempo, Inhotim é um bom exemplo de o que é privado e o que é público. É um dos museus de arte contemporânea mais visitados do país, então é muito público nesse sentido. Pode operar na liberdade da coleção privada, mas usa essa liberdade para criar numa escala pública. Agora é um momento importantíssimo para pensar qual é o futuro de Inhotim e, aí sim, entra esse processo de se pensar a quem pertence essa coleção. Ela é realmente é privada ou será que não é o caso de transferi-la para uma entidade pública, de interesse público?

Qual é o futuro dessa coleção?Inhotim é hoje mais do que a coleção, é um agente, uma plataforma, uma instituição cultural numa região muito específica, em Brumadinho, Minas Gerais. Há uma função educativa muito forte, então acho que o papel da instituição tem a ver também com a criação de um relacionamento com comunidade local. Essa é uma história que não existia desde o início, ela foi construída durante esses dez anos e é uma relação de confiança, de troca, de feedback. Quando eu comecei a trabalhar em Inhotim em 2004, todo mundo era ligado à mineração em Brumadinho. Agora tem restauradores, montadores de arte, arte-educadores, historiadores, a maioria fala várias línguas, isso trouxe um impacto transformador enorme, mas isso também trás uma responsabilidade enorme. E acho importante pensar também, como Inhotim virou um grande articulador de políticas ambientais na região. Liderou o desenvolvimento de um plano diretor em Brumadinho. E agora, o que fazer com isso? Depois de crescer tem que dar espaço para uma instituição como Inhotim se reinventar, sempre. Uma das experiências mais importantes desse meu tempo aqui foi em 2010, com um espetáculo com Zé Celso e O Teatro Oficina em volta do Magic Square do Hélio Oiticica. Foi exatamente o momento depois de quatro ou cinco anos de funcionamento, já havia uma certa rotina e foi muito importante quebrar essa rotina e pensar de novo com a mente mais fresca.

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Qual a relação de Inhotim com os artistas?
É uma relação muito afetiva para todos eles, principalmente para aqueles que trabalharam no local, montando um trabalho ou desenvolvendo um trabalho, às vezes em períodos muito longos. É um privilégio poder começar uma conversa com uma artista francesa como a Dominique Gonzales-Foerster em 2005 e inaugurar o Desert Park em 2010. Então foram seis anos de conversa e depois quatro meses de montagem. Ajudou a desenvolver uma confiança mútua entre não só artista e curador, mas do artista com a instituição, com os técnicos, com os engenheiros, com os botânicos, com a cidade. Para muitos artistas, Inhotim é um lugar que é meio casa.

Qual o papel da arquitetura na Instituição?
Quando Inhotim começou a arquitetura tinha um papel mais secundário, a ideia era que a experiência da arte tinha que ser no parque e quando se precisava de uma galeria, ela deveria ser um abrigo. A experiência da construção do pavilhão da Adriana Varejão mudou bastante essa visão. Foi uma experiência muito rica, Adriana desenvolveu as obras e o arquiteto Rodrigo Cerviño Lopez desenvolveu o projeto. Trabalharam juntos, mas não ficou claro o que deu o tom, o que veio primeiro. Rodrigo reagiu à existência dos trabalhos e Adriana reagiu à arquitetura. Por exemplo, as pinturas das plantas carnívoras penduradas no teto responderam a uma questão da iluminação, a um vão de luz. Na parte de baixo, a grande sauna foi pintada como uma extensão da própria arquitetura, a emenda de concreto segue dentro dos azulejos. São diálogos muito finos.

Que outro exemplos você daria?
Têm também vários trabalhos em que que o próprio trabalho deu a ideia à arquitetura, como o Sonic Pavilion de Doug Aitken. Paula Zasnicoff Cardoso, do Arquitetos Associados, e Doug tentaram entender todos os sentidos das duas obras, eles criaram um diálogo, a arquitetura se tornou a obra. Você tem todo um percurso a fazer até chegar e ouvir o som da terra, você entra de costas e não vê a vista, e só quando você chega à plataforma, lá em cima, é que você pode ver a vista inteira, mas ao mesmo tempo ela está semi-fechada pelo insufilm… é uma descoberta.

O mais recente projeto da galeria Claudia Andujar também é muito bem sucedido. O prédio tenta provocar um estado de porosidade, ele trabalha com luz natural ao mesmo tempo em que é totalmente fechado, de acordo com as normas de museologia, para abrigar as fotografias. Mas ele não passa a ideia de maciço, talvez pelos tons, pela madeira e ele acolhe o espectador, assim como acolhe as fotografias. A gente percebeu que essa troca entre dentro e fora, experiência, recurso, descoberta, encontro com a obra, descanso, pensamento é bem complexa e demanda que a arquitetura também assuma esse papel ativo.

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